domingo, 1 de junho de 2014

Crossfit

    
    Aproveitando o tema do último post, comentarei hoje a mais recente moda no universo do fitness e do treinamento desportivo: Crossfit. Prós, contras, vantagens e desvantagens. Enfim, se há realmente algo de novo ou se é apenas mais um modismo maquiando antigos conceitos com novos nomes. Vou começar com o que a proposta sugere para depois concluir com o que vejo.
    A ideia é central é preparar o indivíduo para realizar qualquer tarefa física que lhe for imposta. É o que se pode chamar do mais amplo conceito de treinamento funcional, já que o principal foco do programa é habilitar o praticante a realizar funções. Para tal objetivo lança-se mão de uma gama extensa de movimentos e exercícios que estimulem as principais habilidades motoras (capacidade cardio-respiratória, força, flexibilidade, potência, resistência muscular, velocidade, coordenação, agilidade, equilíbrio e precisão) assim como as três vias metabólicas (anaeróbia alática, anaeróbia lática e aeróbia). Bem, a conjunção de estímulos variados com recrutamento variável das vias metabólicas não é exatamente uma novidade. Aliás, já é conhecido há um bom tempo com o nome de treinamento em circuito. Resumindo, a proposta é gerar constante alteração nos padrões de adaptação neuro-muscular, mobilizar as três vias metabólicas e estimular as principais habilidades motoras.
    Acerca do quesito novidade, logo percebe-se que não pode ser apontada como uma atividade revolucionária. Treinamento em circuito e exercícios funcionais não são debutantes no mercado. Em se tratando da ideia central, também já é assunto bastante discutido na área da psicomotricidade, assim como do crescimento e desenvolvimento. O ineditismo está em abordar o tema para adultos, já que a celeuma ocorre há algum tempo com relação à pobreza motora na infância contemporânea e à necessidade de se oferecer maior leque de estímulos motores para as crianças atualmente.
    Sobre o método usado há que se ressaltar dois aspectos que particularmente me agradam. O fator motivacional e o treino em circuito. Este último permite ao treinador alcançar diversos objetivos apenas mexendo nas variáveis volume e intensidade. E é nesse ponto que o crossfit, assim como os circuitos em geral e os treinos "funcionais", pode ser uma atividade bem interessante. Usando criteriosamente os recursos materiais disponíveis é possível obter sucesso nas mais variadas metas de forma segura e gradual.
    Contudo, dois pontos me preocupam. O primeiro é comum a todas as atividades coletivas. O controle das variáveis. Principalmente quando se trata de iniciantes e sedentários, a falta do controle objetivo pode ser perigoso para a integridade física do praticante. Não adianta, todas as aulas coletivas possuem o mesmo problema de subjetividade de avaliação e controle de variáveis do treinamento (carga, velocidade de execução, ângulo de movimento, etc). Não acredito na ideia de exercícios contra-indicados, mas certamente há pessoas contra-indicadas para certos movimentos.
    O segundo diz respeito ao foco prioritário a que o programa se propõe. A constante variação de estímulos pode ser que aumente a capacidade neuro-motora de um atleta, mas não estou certo quanto à eficácia para um iniciante, um sedentário ou alguém com pequeno lastro motor. A aquisição de novos caminhos neurais depende da manutenção dos estímulos por um período mínimo de tempo. Mas esta é apenas uma suposição que demanda estudos que se debrucem sobre o tema.
     Enfim, penso se tratar de mais um modismo que, assim como seus antecessores, tem de positivo o lado motivacional, mas que não deve ser tratado como milagre ou fórmula mágica. É uma ferramenta, e como tal precisa ser usada com sabedoria e conhecimento para que seja útil, eficaz e segura.   
   
    
    
   

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Modismos - o que se vende X o que se compra

    A fórmula já é batida, mas segue fazendo sucesso entre consumidores do produto atividade física. Talvez por se tratar de um público leigo, talvez pela mentalidade consumista que pede novidades. Seja pelo motivo que for, repete-se ano após ano. Pega-se um conceito ou princípio básico, um punhado de movimentos e exercícios, utiliza-se alguns aparelhos novos e cria-se um novo e atraente nome (normalmente em inglês). Pronto! Agora é só fazer uma campanha de propaganda anunciando a última revolução em termos de atividade física, e tudo que existia antes se torna obsoleto instantaneamente. Uma legião de ávidos pelo corpo perfeito ou pela fórmula mágica da juventude irá migrar para o novo modismo que promete, quase sempre, resultados melhores e mais rápidos que qualquer método existente! A propaganda em geral é eficiente, mas será que compra-se gato por lebre?
    A resposta remete a longo debate, portanto vou me ater ao que considero as questões principais. Primeiro é importante destacar que qualquer movimento que incentive a prática de atividades físicas deve ser visto como algo positivo. Dito isto, penso que aulas e atividades coletivas possuem uma variável fundamental que já abordei antes. Motivação. Contudo, o esporte se tornou uma ciência há pelo menos duas décadas e não se pode admitir que seus profissionais sejam meros animadores de platéia. É então que chega-se ao ponto negativo dos modismos. Pondo o item diversão e entretenimento à frente dos outros, acarreta-se prejuízo à qualidade técnica e científica do programa de treinamento. 
  O imediatismo buscado ao ingressar na última moda do mundo fitness, contrasta com a mentalidade a longo prazo que se deve ter ao adicionar novos hábitos à rotina. A continuidade e a progressão pedagógica do programa de exercícios têm como consequência resultados consistentes e duradouros, baseando suas ações nos princípios do treinamento desportivo e na periodização do mesmo. Não há nada de errado em ter um atleta como referência, mas tenha em mente que o corpo de um profissional do esporte é resultado de anos dedicados à prática esportiva sistemática. Muitos amadores se tornam atletas após iniciarem um programa de treinos, mas isso se dá gradualmente e como consequência natural da adição de atividades físicas na rotina de afazeres diários. 
    Uma vez iniciado o processo de aquisição de hábitos esportivos, toma-se consciência do próprio corpo e de seus limites assim como adquiri-se níveis mais altos de condicionamento físico global, habilitando o indivíduo a participar de quaisquer atividades sem restrições. Inclusive os modismos.
    Portanto, entenda que os princípios que norteiam os programas de treinos atuais foram criados há mais de cinco décadas. Não há fórmula mágica, nem milagres. Se algum sistema ou programa de atividades físicas prometer um dos dois, duvide. Procure saber que critérios fundamentam a proposta que for oferecida. Estar sedentário há anos não é o fim do mundo, mas tenha em mente que a paciência necessária é proporcional ao prejuízo acumulado nos anos de inércia. Qualidade de vida, saúde e estética corporal são resultados obtidos naturalmente ao incluir novos hábitos saudáveis em sua rotina. E trate estes hábitos como inegociáveis! 

domingo, 18 de maio de 2014

Qualidade de vida acessível


    Academias com equipamentos de última geração, avaliações médicas e funcionais criteriosas, serviço de personal trainers, consultas com nutricionistas. Todos os itens descritos possuem alto custo para quem pretende dispor do que há de melhor em termos de acompanhamento e estrutura quando se trata de atividade física e saúde. Contudo, há opções para quem não pode se cercar de todas estas opções. Poderia e deveria haver mais, é verdade, mas os trecho de ciclovia, os equipamentos instalados em praças públicas, os parques públicos, praias e outros espaços públicos possibilitam que a população se mantenha ativa a baixo custo. O problema é a falta de orientação e informação correta. Vão aqui algumas dicas.
    O foco inicial é ter em mente que a falta de estrutura deve ser substituída por cautela e paciência para que o início da aquisição de bons hábitos não se torne um transtorno provocado por lesões. Na ausência de uma avaliação mais profunda pode-se fazer uso de um referencial bem prático, simples e eficiente. A escala subjetiva de esforço, ou escala de Borg, serve como parâmetro para nortear a intensidade adotada nas atividades praticadas. Indo de 1 a 10, deve-se iniciar por uma atividade leve que fique em torno de 5 e manter assim por período variando de 8 a 10 semanas. A partir deste ponto, aumenta-se 1 ponto na escala a cada 4 semanas até chegar a 8.
   O volume também é fundamental e, no princípio, duas a três vezes por semana é a frequência prudente para quem se encontrar inerte. Além da frequência semanal, a duração diária compõe o volume de treinamento e deve-se começar com 20 a 30 minutos por dia. 
    Contudo, é necessário estar atento aos fatores restritivos. O sobrepeso é um deles e, nesse caso, evita-se atividades e superfícies que gerem alto impacto sobre as articulações dos membros inferiores, como corridas e saltos. Pode-se executar exercícios de força localizados enquanto a mudança de hábitos alimentares ocasiona a redução do peso corporal. Não sou nutricionista e não me cabe prescrever dietas, mas medidas básicas podem e devem ser tomadas por quem não pode custear uma consulta. Ingerir bastante água, se alimentar a cada 3 horas, evitar "calorias vazias" como frituras e doces, variar e colorir as refeições e moderar na quantidade de comida por refeição já ajuda no processo.
    Treinar a flexibilidade é outra peça chave na melhora da qualidade de vida, além de preparar o corpo para as atividades que se iniciam. Procure realizar em horário distinto dos outros treinos. Se corre, pedala, nada ou malha de manhã, treine a flexibilidade à noite. Ou vice-versa. Caso alguém tenha se perguntado, o ideal é a primeira opção. Execute cada posição por 30 segundos, inicialmente. A cada 4 semanas de treinos aumente 10 segundos até chegar a 1 minuto. Abaixo segue uma tabela de alongamentos como exemplo e modelo.
    Contudo, antes de iniciar qualquer programa  de atividades físicas deve-se eliminar qualquer risco ou limitação que possa haver no organismo. Portanto, a consulta ao médico deve preceder o início dos exercícios. Com prudência, bom senso, cautela e paciência é possível melhorar a qualidade de vida, aumentar a auto-estima e vivenciar momentos de lazer e prazer com segurança.


sexta-feira, 16 de maio de 2014

Desenvolvimento físico global na infância

    Como abordei recentemente o desenvolvimento motor e esportivo na infância, assim como a importância de se tratar de forma lúdica o trabalho com crianças, resolvi utilizar imagens no lugar de palavras para dar uma breve amostra de como se estimular diversas habilidades motoras de modo seguro e motivante. No vídeo abaixo são demonstrados exercícios simples e de fácil execução que desenvolvem força, coordenação motora, agilidade, velocidade, potência, lateralidade, resistência muscular, consciência corporal lançando mão de ludicidade e desafios. Um bom exemplo de como trabalhar o corpo com eficácia e eficiência usando poucos materiais e pequenos espaços.







    O post de hoje não seria possível se não fosse a colaboração de um atleta dedicado e interessado que treinei por alguns anos. Obrigado Carlos Moura!




quarta-feira, 14 de maio de 2014

Propriocepção - Reabilitação, prevenção e condicionamento


    A propriocepção ou cinestesia é também chamada de "sexto sentido", pois constitui um complexo sistema que envolve consciência corporal, percepção espacial, sistema vestibular além de diversos mecanismos de feedback neuromotor. Trocando em miúdos, é como um radar que informa ao cérebro a posição do corpo e das articulações sem que se faça uso exclusivo da visão ou do tato. Os responsáveis por esta leitura são receptores sensoriais chamados de proprioceptores, localizando-se dentro dos componentes articulares e no labirinto. Após a breve e sucinta descrição, vamos ao que interessa. Como este sistema atua no movimento e como influencia o desempenho esportivo.
    Apesar de pertencer ao estudo da neurofisiologia e possuir direta relação com o movimento, a propriocepção inicialmente foi alvo apenas da medicina e da fisioterapia. Contudo, nos últimos anos, diversos estudos têm demonstrado efeitos positivos da aplicação de estímulos proprioceptivos tanto na prevenção e redução do índice de lesões traumáticas, como na melhora do rendimento esportivo de atletas de variadas modalidades. Ao realizar o feedback de variações de ângulo, alongamento, compressão e pressão nas articulações para o cérebro, os proprioceptores desenvolvem a capacidade de coordenação e percepção neuromotora. Esta estimulação auxilia na recuperação de articulações lesionadas, "fortalece" os componentes articulares em que se posicionam os proprioceptores e induz melhoras na capacidade coordenativa do indivíduo.
    Os conceitos e movimentos antes utilizados apenas em sessões de cinesioterapia passaram a fazer parte de treinos preventivos e também de programas de condicionamento global e específico de atletas. Métodos como Core Training, Treinamento Funcional e Pilates lançam mão de exercícios que recrutam o sistema cinestésico, desenvolvendo a consciência corporal, força, agilidade, coordenação motora, flexibilidade e equilíbrio. Além da otimização do treinamento, tem se percebido recentemente que estímulos proprioceptivos tendem a "fortalecer" os componentes articulares de modo que, ao ocorrer um trauma, as articulações "fortalecidas" defendem o movimento lesivo. Esta defesa parece poder evitar uma lesão ou amenizar a gravidade da mesma. Portanto, trabalhar com ênfase na cinestesia promove melhoras esportivas e tende a defender as articulações de possíveis lesões traumáticas.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Cãibra: mitos e fatos


Objeto de inúmeros estudos e observações há mais de um século, a cãibra ainda é um dos "buracos negros" da fisiologia de exercício e da medicina esportiva. E, talvez por isso, abre espaço para opiniões e afirmações pouco confiáveis pelo senso comum e mesmo por profissionais do esporte. Vamos aos mitos, fatos e questões ainda sem resposta.
    Há diversas teorias acerca das causas da ocorrência de cãibras, contudo destacam-se duas: a abordagem dos processos de fadiga do SNC (sistema nervoso central) e a as alterações hidro-eletrolíticas. Embora ambas indiquem caminhos que elucidem as dúvidas, poucas certezas foram extraídas dos estudos ao longo dos anos. Tais evidências servem tanto para afirmar o que é fato quanto para apontar lendas.
    A associação mais frequente no senso comum é a que se faz entre cãibra e ingestão de potássio, normalmente indicando-se comer bananas. Contudo, estudos recentes demonstram que a única perda de eletrólito significativa pelo suor durante atividades físicas é a de sódio, excluindo a ideia de que seja necessária a suplementação de outros sais minerais como potássio, magnésio e cálcio. Entretanto, não basta apenas suar em abundância. O indivíduo precisa ter um alto índice de eliminação de sódio pelo suor, indicando a relativização deste referencial. Sugere-se a ingestão de líquidos com predominância de sódio, e não apenas água, antes e durante a prática esportiva. Mas um profissional da área deve dosar a concentração, tendo em vista que o excesso de sódio também pode desencadear episódios de cãibra.
   A fadiga muscular também é relacionada à presença de cãibra e alguns resultados parecem apontar para a consistência de tal assertiva. Porém, mais uma vez a individualidade biológica parece intervir, uma vez que muitos atletas testados não apresentaram cãibras mesmo após alcançarem estado de fadiga. A falha motora que seria responsável pela cãibra teria origem na fadiga do SNC, mas a influência do estresse é nítida e torna ainda mais imprevisível e imensurável a exatidão das causas. 
    Outros afirmações têm se consolidado como mito. Uma delas é que a ausência de alongamento prévio causaria cãibra. Como já foi postado aqui antes, deve-se distinguir alongamento de flexibilidade, sendo esta uma habilidade motora essencial a todo praticante de atividades físicas regulares e que deve ser estimulada de forma isolada das outras.
    Portanto, o que se pode afirmar sobre a cãibra é que nutrição adequada, ambientação ao local da prática esportiva, reposição hidro-eletrolítica correta e condicionamento físico ideal tendem a reduzir sua ocorrência. Excetuando-se, naturalmente, casos de patologias clínicas.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Jogos longos não são garantia de predominância aeróbica

     Costuma-se associar esportes que proporcionam partidas de longa duração com a predominância do sistema aeróbico na transferência de energia no corpo do atleta. A solicitação energética depende da intensidade e do volume do jogo durante a execução dos gestos esportivos, mas há que se observar as variáveis atentamente.
  A principal variável nesta análise é se a atividade é contínua ou intervalada. Sendo contínua, a complexidade metabólica é menor e mais simples de se identificar o sistema predominante. Nos esportes de caráter intervalado, torna-se mais difícil dissecar o recrutamento energético e aí entra a discussão proposta.
  Tomando o tênis como exemplo temos uma modalidade de complicada avaliação fisiológica. Trata-se de um desporto com pontos de curta duração, alta intensidade e com partidas de longa duração. Uma partida de alto rendimento pode durar mais de quatro horas! Presume-se então ser uma atividade de predomínio do recrutamento da via aeróbica, correto? Errado! Avaliações apressadas e superficiais levam a enganos desse tipo. Deve-se atentar para os detalhes dos dados.
    Embora uma partida dure horas, o tênis é um jogo intervalado no qual os intervalos, na maioria das vezes, duram mais que os pontos. No nível profissional, um ponto tem, em média, sete segundos no saibro e cinco na quadra rápida. A regra permite aos jogadores um intervalo de até 25 segundos entre os pontos. Qualquer atividade com relação exercício/repouso de 1/3 ou de 1/5 não pode ser caracterizada como predominantemente aeróbica. Contudo, o componente aeróbico se manifesta na recuperação entre os pontos, possibilitando que o atleta reinicie o jogo com bons padrões fisiológicos para desempenhar suas ações motoras. Um jogador com deficiências no condicionamento aeróbio acumula rapidamente o desgaste do esforço durante os pontos e cai de rendimento precocemente. 
  O condicionamento aeróbio é fundamental para que um tenista consiga realizar deslocamentos e golpes durante toda a partida de forma eficiente e eficaz, mas ele não precisa ter a capacidade de absorção de oxigênio de um maratonista. Aliás, nem a alcançará. Tênis e provas de longa duração são concorrentes, uma prejudica que a outra chegue a ápice de seu potencial.